Reproduzo abaixo um texto de Eduardo Guimarães (Blog Cidadania)do dia 1 de dezembro de 2010.A respeito de como se deu a discussão do marco regulatório midiática na Argentina fazendo um paralelo de como se concentra essa discussão no Brasil.Lembrando que o Clarín (PiG argentino) ganhou ontem o prêmio da ANJ de Liberdade de Imprensa.
Morra de inveja: Argentina enfrenta o PiG e os torturadores
Imagine poder discutir o semi monopólio da Globo com o motorista de taxi, com o porteiro do prédio, com a faxineira ou mesmo com um colega de trabalho. Ou ouvir até de empresários que realmente não é aceitável que um único grupo empresarial detenha metade da audiência da televisão aberta e o segundo jornal e a segunda revista semanal de maior tiragem.
De domingo – quando cheguei a Buenos Aires – até agora, não ouvi uma só pessoa responder que a “Ley de Medios” é um despropósito. A sociedade argentina está convencida de que é preciso democratizar a comunicação. E o que é melhor: as pessoas sabem o que é democratizar a comunicação.
Claro que esse pode ser um fenômeno dos centros urbanos. Contudo, tente, em São Paulo , no Rio, em Belo Horizonte , em Curitiba, em Porto Alegre , em Salvador ou em Recife, entre outros, discutir o oligopólio das comunicações. A quase totalidade das pessoas não lhe dará atenção por mais do que alguns segundos antes de mudar de assunto ou de inventar uma desculpa para interromper a conversa.
Note-se que não me refiro aos politizados – sejam de direita ou de esquerda, que, no Brasil, são raros. Refiro-me a essa maioria que pode conversar por horas sobre futebol ou sobre novelas, mas que não tem paciência de gastar cinco minutos com política.
O Brasil é uma ilha de alienação em meio a uma América Latina significativamente politizada. Venho batendo nesta tecla há muito tempo devido à minha atividade profissional, que me obriga a viajar pela região.
O que estou vendo na Argentina é ainda mais interessante do que vi em países como a Venezuela, por exemplo – país em que o mais humilde cidadão é capaz de discutir a constituição do país e a política partidária.
A grande diferença do Brasil continua sendo a nossa histórica bonomia em relação ao jogo do poder e a nossa aversão a conflitos de qualquer tipo, mesmo quando o conflito é inevitável e necessário.
Ciente da natureza de seu povo, Lula desperdiçou os últimos oito anos no que diz respeito à democratização da comunicação. Apenas no fim de seu segundo mandato é que ousou convocar uma conferência para discutir o assunto. Mas acabou relativizando sua importância quando a mídia começou com o mesmo trololó sobre “censura” que o grupo Clarín, aqui na Argentina, recita para as paredes.
O discurso do PIG argentino sobre supostos ímpetos censores do governo é exatamente o mesmo que o do PIG tupiniquim. Mas neste país é um discurso já quase envergonhado e que está morrendo a cada dia.
O grupo Clarín, a bem da verdade, tem um monopólio ainda maior do que o da Globo – alguma coisa perto de 80% do bolo da comunicação. Mas terá que se desfazer desse império. Será pago condignamente pelo que vender, mas não poderá manter o controle sobre tantas mídias e muito menos conseguirá vender seus meios de comunicação para testas-de-ferro.
Os dois governos Kirchner conseguiram explicar perfeitamente à sociedade os malefícios da concentração de meios de comunicação. A sociedade quer a diversidade de opiniões e de opções. É irreversível.
Enquanto esse sonho dourado dos democratas se materializa por aqui, no Brasil estamos completamente alheios ao que está acontecendo neste país. Deveríamos estar discutindo intensamente o processo em curso na Argentina. Ao menos na blogosfera. Mas a discussão ainda é insipiente. Não estamos avançando nesse debate.
Diga, leitor, uma só proposta concreta para acabar com o oligopólio nas comunicações no Brasil. Nem um órgão para normatizar as comunicações conseguimos discutir nacionalmente. Globo, Folha, Estadão e Veja conseguiram interditar o debate porque o governo teme meramente tocar no assunto.
E o pior é que temos condições muito melhores para propor essa discussão. Não temos os problemas que têm os argentinos na economia, por exemplo, e o apoio popular ao governo brasileiro é muito maior do que ao governo argentino.
Aliás, nada que seja polêmico nós conseguimos discutir. Os crimes da ditadura, por exemplo. Os criminosos do regime militar argentino estão sendo julgados e até presos. Enquanto isso, os criminosos que torturaram e assassinaram pouco mais do que crianças durante a nossa ditadura zombam de suas vítimas e ainda se dão ao desfrute de fazer ataques a elas.
Os argentinos estão nos goleando sem parar no que diz respeito à democratização real de seu país. Que inveja.
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