terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Governo argentino luta contra o monopólio do papel-jornal e da TV a cabo. Jornalões brasileiros atacam


Seguindo a linha da grande imprensa internacional e do governo norte-americano, a velha mídia brasileira só se lembra da existência da América Latina quando resolve atacar os governos que primam pela soberania nacional. A defesa corporativista entre os veículos da imprensa de direita não respeita fronteiras, não respeita a sociedade, e não respeita a verdade.

Desde que Cristina Kirchner, presidenta reeleita da Argentina, conseguiu aprovar na Câmara de Deputados o fim do monopólio dos grupos Clarín e La Nación sobre o papel-jornal, os jornalões brasileiros começaram a espernear. Para eles, quebrar o monopólio do papel é “mordaça argentina”, como disse o jornal Zero Hora, ou “tentativa de dominar a oposição”, como disse o Estadão.

A única fábrica de papel-jornal da Argentina é controlada pelos dois grupos que controlam também a quase totalidade da mídia argentina. Mais ou menos como acontece no Brasil, esse controle foi gestado e é mantido através de abusos econômicos e conluios políticos, incluindo parcerias com as respectivas ditaduras militares, lá e aqui. É o caso da questão da Papel Prensa, a fábrica em questão, adquirida pelo Clarín e pelo La Nación durante a Ditadura argentina, e declarada agora um espaço de interesse público pelo governo. Como escreveu a blogueira Renata Mielli, “na Argentina os proprietários da única fábrica de papel-jornal são os dois maiores grupos de comunicação (produtores de conteúdo) do país (…). Esta propriedade cruzada é sem dúvida nenhuma um risco à pluralidade e à diversidade da informação na Argentina, uma vez que quem controla a matéria-prima tem interesses comerciais para além da venda do papel”.

Na manhã desta terça-feira, mais uma cena da luta do governo argentino pela democratização da mídia no país. Sob acusação de concorrência desleal, a emissora Cablevisión, de propriedade do grupo Clarín, foi objeto de busca e apreensão por parte da polícia e de membros do Judiciário. O Estadão e a Folha de S. Paulo se apressaram em unir esse fato à questão da Papel Prensa e atacar o governo de Cristina Kirchner.

Segundo a manchete da Folha, o cumprimento de uma ordem de busca e apreensão pode ser relatado da seguinte forma: “Empresa do grupo argentino Clarín é invadida por militares”. O final da primeira parte dessa mesma matéria mais uma vez tenta se apropriar de um conceito para distorcê-lo e validar a tese: “A ocupação desta terça-feira é mais um capítulo da longa batalha que o governo de Cristina Kirchner trava com a imprensa independente da Argentina”. O que a Folha considera imprensa independente? A aliança do Clarín com os grupos mais conservadores da Argentina pode ser chamada independência ou é, na verdade, apenas alinhamento a setores que tentam inviabilizar os governos progressistas dos Kirchner? Bom, se lembrarmos que a própria Folha refere-se a si mesma como jornal independente, podemos encontrar as respostas sem grande esforço.

Mas a reportagem da Folha, apesar da manchete que distorce a realidade e tenta despertar pânico com a “invasão” por “militares”, e ainda que penda claramente a favor do Clarín, ao menos em sua segunda parte, quando fala da disputa em torno da Papel Prensa, apresenta os argumentos do governo. O Estadão não o faz. O título de sua matéria vai pelo mesmo caminho (“Militares argentinos invadem empresa do grupo Clarín, diz jornal”), e o trecho em que fala sobre a Papel Prensa apresenta um tom completamente editorializado, tentando tornar objetiva e natural uma conclusão absolutamente subjetiva do autor: “O governo usa sua participação acionária na Papel Prensa, única fornecedora de papel jornal do país, para tentar dominar a oposição do Clarín e do La Nación, maiores jornais do país”.

Citando mais uma vez o excelente texto de Renata Mielli, “a imprensa brasileira omitiu que o projeto é fruto de dezenas de audiências públicas que foram realizadas em toda a Argentina e que envolveram a sociedade e proprietários de mais de 120 jornais. Ignorou que a Papel Prensa é alvo de denúncias por praticar preços diferenciados e abusivos de acordo com o veículo. Não informou que o projeto prevê que os preços do papel-jornal praticados passarão a ser os mesmos para todos os veículos (sem privilégios) o que irá garantir a democratização do acesso à matéria-prima para a produção dos jornais”.

*Leia AQUI a reportagem do bom jornal argentino Página 12 sobre a operação de busca e apreensão na Cablevisión.

*A leitura do artigo de Renata Mielli sobre a disputa em torno da Papel Prensa é fundamental para a compreensão do problema.

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